Luana Herek
1ª. Jornada de terapia Relacional Sistêmica – Mesa redonda “Os desafios de ser um Terapeuta Relacional Sistêmico” – Curitiba – 21 de Março de 2009.
Em primeiro lugar, gostaria de agradecer a comissão organizadora do evento pelo convite para participar desta mesa. Desde que recebi o convite, fiquei pensando sobre o que eu iria falar pra vocês, sem ser repetitiva.
Busquei luz no ultimo livro da Solange Rosset, onde estão todos os conceitos da terapia relacional sistêmica e pensei que segui-los por si só, principalmente quando tentamos não somente aplicá-los aos nossos clientes, mas também a nós mesmos, já é um grande desafio.
Em seguida comecei a pensar em meus desafios pessoais como terapeuta relacional sistêmica, entre tantos desafios que enfrentei e enfrento como profissional, escolhi um para refletir sobre: o desafio da construção da relação entre o terapeuta e o cliente, a construção de um relacionamento terapêutico baseado em compromisso, franqueza e igualitarismo. Terapeuta e cliente como companheiros de viagem, nas palavras de Irvin Yalom, um termo que suprime as distinções entre eles (os aflitos) e nós (os que curam), já que estamos todos juntos nisso e não existe nenhum terapeuta e nenhuma pessoa imune as tragédias da vida. O reconhecimento de que somos simplesmente humanos.
É extremamente importante cuidarmos da nossa relação com o cliente: como estamos hoje? Como esta o espaço entre nós hoje? Se não checamos constantemente o ponto de vista do cliente, podemos nos enganar profundamente. Os clientes enxergam as horas da terapia de uma forma muito diferente da do terapeuta.
Provavelmente todos nós já fomos surpreendidos com algum comentário parecido com esse: “Uma vez você me falou algo que eu nunca vou esquecer….” e você jamais lembra de ter feito esse comentário, pois para você não foi nenhuma intervenção brilhante, mas para o cliente, foi algo muito poderoso.
As opiniões dos clientes sobre os acontecimentos que foram importantes, geralmente são acontecimentos relacionais. Uma cliente me relatou algumas sessões depois, o quanto eu tinha feito por ela, o quanto tinha se sentido acolhida, em um dia quando acabou a luz em meu consultório e tivemos que descer as escadas com uma lanterna que eu tinha, e como chovia muito e meu carro estava na garagem do prédio, eu lhe dei carona até seu carro que estava na rua, um pouco mais distante. Esse acontecimento teve grande impacto sobre ela e muitos desdobramentos.
O terapeuta e o cliente não vivenciam a mesma experiência durante aquela hora da sessão. É extraordinariamente difícil saber o que o outro realmente sente. Essa é uma preocupação muito atual de David Burns. Ele mostrou no ultimo evento da Fundação Milton Erickson em San Diego, uma pesquisa que vem realizando através de um questionário que aplica nos clientes antes e depois de cada sessão de terapia. Esse experimento tem demonstrado algumas coisas surpreendentes:
1) A precisão na percepção que o terapeuta tem sobre os sentimentos do cliente em termos de severidade dos sintomas: varia de 0 -10%.
2) A precisão na percepção que o terapeuta tem da aliança terapêutica entre terapeuta e cliente em termos de empatia, ajuda terapêutica, sentimentos negativos: varia de 0 -10%.
3) Quantos clientes desistem antes do tempo da terapia? 57% dos clientes desistem antes de alcançar algum objetivo terapêutico.
Talvez não possamos usar questionários como David, mas podemos usar estratégias de aproximação como sugere Yalon? A questão é: como podemos de fato construir e manter uma relação útil com o cliente?
Os problemas interpessoais do cliente se manifestarão no aqui e agora do relacionamento terapêutico. Um estímulo pode provocar reações diversas entre os diferentes clientes: como o cliente nos cumprimenta, como ele tenta esticar a hora, como ele inspeciona o ambiente ou critica nosso consultório, etc, são informações valiosas, situações cotidianas que se repetem na relação cliente-terapeuta. Através desse olhar relacional podemos descobrir no aqui e agora o que existe de disfuncional nas interações do cliente e seu ambiente.
Quando existe a pontuação de algo na relação entre o terapeuta e o cliente, algo que esta acontecendo entre eles, se pode usar essas observações no trabalho para que o cliente faça as conexões desse mesmo padrão com outras experiências que lhe são familiares. A melhor forma de aprendermos sobre nós mesmos e sobre nosso comportamento é pela participação pessoal na interação, combinada com a observação e analise dessa interação.
Nossos próprios sentimentos como terapeutas são dados preciosos, que podemos usar para nos guiar, ou se for útil para o cliente, fornecer-lhes nossas impressões através de um feedback eficiente mas delicado.
Com isso, podemos ajudar os clientes a diminuir o ponto cego, ou seja diminuir a distancia entre como ele se vê e como os outros o vêem. Também na terapia e através do feedback do cliente, o terapeuta também tem a chance de diminuir seu ponto cego, principalmente se dirigir sua escuta para as observações que se originam no aqui-e-agora e estão concentrados nos sentimentos gerados no cliente e não em interpretações ou suposições.
A auto-revelação do terapeuta deve ser cuidadosa, e usada sempre para que se cumpra o objetivo do cliente e nunca a agenda do terapeuta. A revelação do terapeuta gera a revelação do cliente.
Danny Kahneman and Amos Tversky ganharam um nobel, por descobrirem que não somos seres racionais, descobriram que o nosso pensamento não é lógico e matemático e sim ocorre num procedimento de solução por tentativa e erro.
Eles verificaram que as pessoas respondem de acordo com a forma como a questão é colocada, chamaram isso de efeito de enquadramento. A relação terapêutica é uma grande oportunidade para novos enquadres.
Alguns dos problemas de interpretação do comportamento humano frente ao risco esta relacionado com o funcionamento das pessoas, que tomam decisões com base em avaliações subjetivas de probabilidades que provavelmente são muito diferentes das probabilidades reais.
De acordo com os resultados de uma pesquisa que foi realizada, as pessoas subestimaram a probabilidade de morte por causa natural e superestimaram as probabilidades de morte por causas não naturais. Isso indica que provavelmente as pessoas dão mais atenção à preocupação com perigos não naturais do que a preocupação com perigos naturais.
Então se o desafio da construção da relação terapêutica passa pela necessidade do cliente e do terapeuta diminuírem seu ponto cego, passa pela possibilidade de as pessoas enxergarem de forma diferente mudando o enquadramento, e passa pelo contato do cliente com avaliações mais objetivas dos riscos que envolvem suas escolhas para que ele possa fazer escolhas mais conscientes, voltamos ao nosso feijão com arroz: desenvolver dentro e através da relação terapêutica a conscientização, levantar as aprendizagens necessárias e fazer as mudanças desejadas.
Para mudança é necessário energia e motivação, e nem sempre é essa pessoa que aparece no consultório. Existe duas coisas que motivam os seres humanos: coisas que queremos evitar e coisas que queremos alcançar.
É importante que o processo de mudança seja baseado em um processo de pequenos passos. Qualquer mudança feita ou qualquer novo elemento, por menor que seja, introduzida no padrão quebra o padrão e pode produzir mudanças maiores.
Quebrar padrões são formas de iniciar mudanças, principalmente se não consideramos os problemas como entidades fixas, mas sim como processos e padrões que podem ser mudados a qualquer momento.
Mudança é: “… um processo evolutivo. Raramente é revolucionário. É uma viagem de muitos passos – mas não começa até você dar o primeiro.” Knaus