Já faz muitos milhares de anos que a
sociedade se tornou patriarcal em função da descoberta da paternidade. Antes
disso, acreditava-se que a mulher era a fonte da vida e que a sua fecundidade
influencia a fertilidade dos campos. A mãe era a personagem central nessa
sociedade. Homens e mulheres trabalhavam juntos, em prol do bem comum. A
estrutura social pré-patriarcal era igualitária.
A partir do descobrimento de sua
participação na procriação, as relações
entre homens e mulheres se transformaram, e o homem foi desenvolvendo um
comportamento autoritário e opressor, reforçado pela sociedade, para
“disciplinar e subjugar a mulher” ainda que usando da força física.
Embora as mulheres já tenham conseguido
muitos direitos em sua luta pela igualdade, ainda temos um longo caminho a
percorrer quando se trata de chegar a
uma sociedade igualitária. Os números do IBGE (link abaixo) mostram que embora
as mulheres tenham mais educação e trabalhem mais, tem menos cargos de gerencia
e ganham menos. Além disso, cumprem mais horas de tarefas domesticas por semana
do que os homens na mesma situação, não importando a idade.
Mas o que mais assusta é a violência
que a mulher continua sofrendo diariamente. Conforme descrito no site Relógios
da Violência, a violência doméstica tem um ciclo que
geralmente apresenta três fases:
1. Aumento de tensão: O agressor se mostra
tenso e irritado por coisas insignificantes, tem acessos de raiva, humilha a
vítima, faz ameaças e/ou destrói objetos. A vítima tem muitos sentimentos
(tristeza, medo, ansiedade), fica aflita, tenta acalmar o agressor, achando
muitas vezes que ela fez algo errado para justificar o comportamento violento
do agressor.
2. Ataque violento: quando ocorre a explosão do agressor, e a
tensão acumulada se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral
ou patrimonial. A vítima mesmo reconhecendo o perigo fica paralisada, sem
reação. Pode apresentar insônia, ansiedade, perda de peso, fadiga constante. Se sente confusa, com
raiva, com medo, sozinha e com vergonha. Nesse momento ela pode tomar a decisão
de pedir ajuda.
3. Lua-de-mel: o
agressor envolve agora a vítima de carinho e atenções, desculpando-se pelas
agressões e prometendo mudar (nunca mais voltará a exercer violência). A vítima
acredita nos esforços de mudança, lembra dos bons momentos, e estreita a
relação com o agressor. Por fim a tensão volta o que leva a fase 1 novamente.
Com o tempo os intervalos entre as fases ficam
menores, e as agressões podem acontecer sem obedecer a ordem das fases. Em
alguns casos ocorre o assassinato da vitima.
Muitos se perguntam: mas se ela sofre
tanto, porque continua na relação? A resposta não é tão simples, existem muitos
fatores envolvidos. Muitas vezes a vítima mantém um casamento “secretamente
miserável” por valores aprendidos na cultura e na família (Resnick´s). Muitas
mantém o casamento por valores religiosos, por causa dos filhos, por questões
financeiras, por questões sociais e outras.
Além de tudo isso, ainda existe a
influência de questões emocionais como a descrita por Solomon em 1980: a teoria
dos processos oponentes (abordado no artigo Minds and Bains for Gestalt
Therapists de Todd Burley). Burley explica que os processos oponentes são um
paradigma extremamente poderoso. Exposto de uma forma simples: o processo A é a resposta afetiva a um
estímulo particular, por exemplo a dor após sofrer uma violência (fase 2 do
ciclo de violência). Quando a dor começa a se dissipar o processo B, que é o oposto a mágoa, ocorre (fase 3 de lua de mel –
o agressor se arrepende, demonstra carinho e afeição), a vítima se sente
aliviada, se sente bem, e isso reforça a tolerância para o processo A. O processo B
é fortalecido, enquanto o processo A
é enfraquecido. Se os efeitos posteriores são tão poderosamente agradáveis e
positivos, como a vítima pode agir saindo nesse ponto, mesmo que ela esteja
determinada a partir no início?
Esses são somente alguns aspectos
envolvidos nas relações domesticas onde a violência ocorre. Por isso além de
trabalhar com o medo dando proteção a vítima e com o reforço da auto-estima,
também é necessário ampliar nossa ação no sentido de abranger o maior número de
aspectos envolvidos nessas situações.
É importante que as pessoas comecem a
olhar para essa situação de agressão deixando de lado os preconceitos e os
julgamentos e colaborem para aumentar disseminação de informações como essa,
pois quanto mais consciência houver sobre os processos envolvidos, novas
aprendizagens e possíveis mudanças poderão ocorrer.
Fontes:
– A Cama na
Varanda – Regina Navarro Lins – 7a. ed – 2012 – Rio de janeiro
–
https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf
–
https://www.relogiosdaviolencia.com.br/ciclo-da-violencia
– http://www.artepsicoterapia.com.br/entrevista-com-rita-e-bob-resnick-gestalt-terapia-com-casais/
-Minds and Brains for Gestalt Therapists – Todd Burley