Ainda há Luta!

Já faz muitos milhares de anos que a sociedade se tornou patriarcal em função da descoberta da paternidade. Antes disso, acreditava-se que a mulher era a fonte da vida e que a sua fecundidade influencia a fertilidade dos campos. A mãe era a personagem central nessa sociedade. Homens e mulheres trabalhavam juntos, em prol do bem comum. A estrutura social pré-patriarcal era igualitária.

A partir do descobrimento de sua participação na procriação,  as relações entre homens e mulheres se transformaram, e o homem foi desenvolvendo um comportamento autoritário e opressor, reforçado pela sociedade, para “disciplinar e subjugar a mulher” ainda que  usando da força física.

Embora as mulheres já tenham conseguido muitos direitos em sua luta pela igualdade, ainda temos um longo caminho a percorrer quando se trata de chegar  a uma sociedade igualitária. Os números do IBGE (link abaixo) mostram que embora as mulheres tenham mais educação e trabalhem mais, tem menos cargos de gerencia e ganham menos. Além disso, cumprem mais horas de tarefas domesticas por semana do que os homens na mesma situação, não importando a idade.

Mas o que mais assusta é a violência que a mulher continua sofrendo diariamente. Conforme descrito no site Relógios da Violência, a violência doméstica tem um ciclo que geralmente apresenta três fases:

1. Aumento de tensão: O agressor se mostra tenso e irritado por coisas insignificantes, tem acessos de raiva, humilha a vítima, faz ameaças e/ou destrói objetos. A vítima tem muitos sentimentos (tristeza, medo, ansiedade), fica aflita, tenta acalmar o agressor, achando muitas vezes que ela fez algo errado para justificar o comportamento violento do agressor.

2. Ataque violento: quando ocorre a explosão do agressor, e a tensão acumulada se materializa em violência verbal, física, psicológica, moral ou patrimonial. A vítima mesmo reconhecendo o perigo fica paralisada, sem reação. Pode apresentar insônia, ansiedade, perda de  peso, fadiga constante. Se sente confusa, com raiva, com medo, sozinha e com vergonha. Nesse momento ela pode tomar a decisão de pedir ajuda.

3. Lua-de-mel: o agressor envolve agora a vítima de carinho e atenções, desculpando-se pelas agressões e prometendo mudar (nunca mais voltará a exercer violência). A vítima acredita nos esforços de mudança, lembra dos bons momentos, e estreita a relação com o agressor. Por fim a tensão volta o que leva a fase 1 novamente.

Com o tempo os intervalos entre as fases ficam menores, e as agressões podem acontecer sem obedecer a ordem das fases. Em alguns casos ocorre o assassinato da vitima.

Muitos se perguntam: mas se ela sofre tanto, porque continua na relação? A resposta não é tão simples, existem muitos fatores envolvidos. Muitas vezes a vítima mantém um casamento “secretamente miserável” por valores aprendidos na cultura e na família (Resnick´s). Muitas mantém o casamento por valores religiosos, por causa dos filhos, por questões financeiras, por questões sociais e outras.

Além de tudo isso, ainda existe a influência de questões emocionais como a descrita por Solomon em 1980: a teoria dos processos oponentes (abordado no artigo Minds and Bains for Gestalt Therapists de Todd Burley). Burley explica que os processos oponentes são um paradigma extremamente poderoso. Exposto de uma forma simples: o processo A é a resposta afetiva a um estímulo particular, por exemplo a dor após sofrer uma violência (fase 2 do ciclo de violência). Quando a dor começa a se dissipar o processo B, que é o oposto a mágoa, ocorre (fase 3 de lua de mel – o agressor se arrepende, demonstra carinho e afeição), a vítima se sente aliviada, se sente bem, e isso reforça a tolerância para o processo A. O processo B é fortalecido, enquanto o processo A é enfraquecido. Se os efeitos posteriores são tão poderosamente agradáveis e positivos, como a vítima pode agir saindo nesse ponto, mesmo que ela esteja determinada a partir no início?

Esses são somente alguns aspectos envolvidos nas relações domesticas onde a violência ocorre. Por isso além de trabalhar com o medo dando proteção a vítima e com o reforço da auto-estima, também é necessário ampliar nossa ação no sentido de abranger o maior número de aspectos envolvidos nessas situações.

É importante que as pessoas comecem a olhar para essa situação de agressão deixando de lado os preconceitos e os julgamentos e colaborem para aumentar disseminação de informações como essa, pois quanto mais consciência houver sobre os processos envolvidos, novas aprendizagens e possíveis mudanças poderão ocorrer.

Fontes:

– A Cama na Varanda – Regina Navarro Lins – 7a. ed – 2012 – Rio de janeiro

– https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101551_informativo.pdf

– https://www.relogiosdaviolencia.com.br/ciclo-da-violencia

– http://www.artepsicoterapia.com.br/entrevista-com-rita-e-bob-resnick-gestalt-terapia-com-casais/

-Minds and Brains for Gestalt Therapists – Todd Burley

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